Críticas Adagio Sostenuto



Jornal Estado de Minas
“Para ver sem sono”,
por Jefferson da Fonseca
19/06/2009

Adagio Sostenuto, de Pompeu Aguiar, tem tudo para agradar a alguns e, certamente, fazer dormir outros. De narrativa nada convencional (de “movimento lento e sustentado”, como diz o próprio título), o filme vai na contramão de tudo o que é raso e comercial. Seus realizadores não parecem ter feito nenhuma concessão para desaguar bilhetes. O roteiro é o que há de melhor no longa, que também tem montagem e fotografia eficientes ao que se propõe: dar força e tempo à natureza e ao significado das coisas. Diferentemente do que pode parecer, não é pretensioso. É poema que provoca o pensamento, escrito na retina. Fala de amor, guerra e paz.

Cinema dentro do cinema, Adagio Sostenuto conta a história da cineasta Ana Maria Morelli (Dedina Bernardelli) e do roteirista José Morelli (Alexandre Borges), que, juntos, realizam um filme homônimo. Grande parte do enredo é dedicada ao debate do casal sobre o melhor desfecho para a obra. Donos de pontos de vista diferentes, os criadores tentam decidir sobre o último plano que vai definir o rumo de seus protagonistas. Até que ocorre fato de virada que dá novo sentido à “transcendência do amor”, tema central em questão.

É Dedina Bernardelli quem melhor sustenta o drama de Pompeu Aguiar. A atriz, solitária em quadro, por mais de hora, está muito bem no papel da cineasta. Com absoluto controle de sua composição, traz o espectador para dentro dos conflitos da personagem. Sem perder o tom das intenções, chega a falsear contracena com a frieza de voz de estúdio, off de Alexandre Borges, que, sem muito esforço, técnico, contribui com nuança de quem sabe declamar poesia.

Pompeu Aguiar conseguiu reunir conjunto de acertos que dão singularidade à sua obra. Adagio Sostenuto é filme de sensibilidade rara, que propõe reflexão sobre a infinitude das paixões e como elas se relacionam. Pode-se dizer que o trabalho do diretor, do papel à cena, é grande viagem em busca do outro e de si mesmo. Clássico, musicalmente riquíssimo, como bela ópera de três atos, é para ser assistido sem pressa ou cansaço. Merece olhar que vê além do que pode ser visto.


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